Lídia Pereira: "E depois de Greta?"

5 de dezembro de 2019
PSD

Artigo de Lídia Pereira, eurodeputada do PSD, publicado no jornal Público, a 5 de dezembro de 2019

 

Nestes tempos de incertezas, importa começar por afirmar o que devia ser óbvio: as alterações climáticas e os seus efeitos são, para quem não nega a ciência e o conhecimento, indesmentíveis. Há dois dados objetivos e simples: a temperatura média do planeta dos últimos cinco anos foi a mais alta desde que há registos fidedignos (desde 1880) e nunca emitimos tanto dióxido de carbono. E coloquemos a questão de forma simples: se a temperatura média do planeta continuar a subir e ultrapassar os 2º acima dos níveis médios prévios à industrialização não haverá vencedores. Perderemos todos.

Mas a radicalização de discurso de ambos os lados é prejudicial para todos. De um lado está quem se recusa a acreditar no problema ou que o considera uma questão menor, cuja face mais visível é Donald Trump. Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris e continua a agir como se o problema não existisse. Um outro lado considera que tudo está mal no nosso modelo de desenvolvimento e que defende que temos de “desmontar o sistema”, para usar uma frase da figura mais visível deste lado da barricada, Greta Thunberg.

O Acordo de Paris não é um acordo comercial entre países ou comunidades, não há uma troca entre Lisboa e São Paulo ou entre Barcelona e Xangai. A imposição de sanções ou encerramento de fronteiras não faz o problema desaparecer porque a natureza não conhece as fronteiras dos humanos, nem os fenómenos climáticos extremos nelas se detêm.

E, numa questão de inegável importância, assistimos a um conflito instalado entre dois grupos de discursos extremistas, que querem à força fazer crer que há apenas dois caminhos:

  1. Abdicar do crescimento económico, abdicar da melhoria das condições de vida das populações, voltando a tempos de pobreza energética e alimentar. No fundo, ignorar os progressos da economia social de mercado. Alimentar os conflitos, atacando as gerações anteriores. Greta Thunberg diz que lhe roubaram a infância e os seus sonhos, esquecendo que vive num dos países mais ricos do mundo, com um Estado Social que garante acesso a educação, saúde e proteção social. O que responderão as crianças sírias, numa sociedade devastada, ou de tantos países africanos que ainda esperam que o desenvolvimento económico os retire de níveis de pobreza avassaladores? O ativismo cívico não pode ser desligado de um conhecimento da sociedade em que crescemos e das dificuldades e desafios que os outros enfrentam. O que este radicalismo promove é o esquecimento do presente e das necessidades dos mais pobres.
  2. O radicalismo, que do outro lado da barricada pretende fazer de conta que as alterações climáticas não são um problema e continuar a esgotar os recursos e a capacidade de renovação ambiental do planeta. Ignorar os impactos da atividade humana no planeta e na biodiversidade. Esquecer o futuro.

E estes radicalismos enfrentam-se nas redes sociais, trocando memes, piadas e insultos como quem atira cocktails molotov.

Entre os dois extremismos, opto pela moderação de um caminho que reconhece o problema, defende a ciência e uma transição energética justa que não deixe ninguém para trás. O modelo socioeconómico não tem de ser desmantelado, tem de evoluir assente no crescimento sustentável e em políticas fiscais que incentivem a adoção de comportamentos amigos do ambiente. A confrontação a que assistimos neste debate prejudica-nos a todos.

Assistimos a isto também por falhanço da política. O diagnóstico científico está feito, o que se espera é ação. Para essa ação acontecer é preciso coragem e decisão política. E é aí que mais falhamos.

Falhamos quando vemos como aceitável o oportunismo do ministro do Ambiente, Eng. Matos Fernandes, que escreve uma carta a Greta enquanto nada faz por um Pinhal de Leiria que continua ao abandono depois dos incêndios que o destruíram.

Falhamos quando temos a rede de iniciativa pública de carregamento de carros elétricos ao abandono, sem manutenção e sem reforço, mas aceitamos que o primeiro-ministro diga que o Governo é um exemplo no combate às alterações climáticas.

Falhamos quando aceitamos que os negócios do lítio, mal explicados, passem sem consequências políticas.

Artigo de Lídia Pereira, eurodeputada do PSD, publicado no jornal Público, a 5 de dezembro de 2019