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A incerteza económica agravou-se bastante na última semana. Neste momento, importa defender as empresas e as pessoas das quebras de vendas e rendimentos, respetivamente.
Na semana passada escrevi aqui sobre a incerteza económica dos efeitos do Covid-19. Nestes últimos sete dias o cenário pessimista começou a ganhar forma. Infelizmente, a nível mundial a OMS declarou o estado de pandemia.
Não estamos, naturalmente, perante uma epidemia como foi a “gripe Espanhola”. Recorde-se que a gripe pneumónica terá, entre 1918 e 1920, morto 20 a 50 milhões de pessoas no mundo. Mas tratava-se de uma estirpe de gripe muito mais mortífera que o covid-19. E não podemos comparar o mundo de 2020 com o de 1920. Não apenas nos enormes progressos médicos e tecnológicos que assistimos nestes cem anos. Mas também, na generalidade do mundo, as condições de vida, higiene, alimentação e habitação são hoje incomparáveis com as de há 100 anos.
Mas, então, porque razão devemos estar preocupados? Que motivos para que sejam necessárias estas medidas de contenção que passam por fechar escolas, universidades, museus, bibliotecas, cancelar eventos e no limite fazer o “blackout” do país por umas semanas?
Por uma razão simples, e que não implica saber de vírus ou de saúde. Basta perceber de matemática. A propagação de um vírus é um exemplo de manual de uma função logística. Ou seja, estamos perante uma progressão geométrica, isto é, a cada y dias o nº total de infetados aumenta em x vezes. Creio que, neste momento, o padrão do vírus (mas aqui possa estar enganado ou não ter já a informação mais recente), a progressão geométrica é de razão 3. Isto é, o número de infetados triplica a cada 3/4 dias. Ora, a função é logística porque este crescimento exponencial ocorre enquanto a taxa de crescimento diário for superior a 1 (neste momento andará nos 1.3 a 1.4).
Só quando a taxa de crescimento for inferior a 1 estaremos no ponto de inflexão. Nessa altura, o gráfico do número total de casos tenderá a estabilizar, ou seja, a não aumentar significativamente o número de casos até ao ponto em que atinge o seu máximo. O problema é que não sabemos quando se atingirá o ponto de inflexão. Até lá temos de cumprir as regras de quarentena.
Embora o aviso do Professor Jorge Buescu (um dos nossos melhores matemáticos) este sábado no Expresso deva ser levado em conta (ele previa num cenário sem medidas 60 mil infetados no final de março; num cenário intermédio cerca de 20 mil e num cenário em que as medidas de contenção começam a fazer efeito cerca de 4 mil), há que tem algum cuidado nas projeções. Isto é, a dinâmica de propagação não é constante.
É verdade que a taxa de mortalidade do covid19 é aparentemente baixa. Escrevo aparentemente porque ainda sabemos muito pouco sobre esta estirpe de vírus. Mas matematicamente, um vírus ou é de propagação ou é de mortalidade. Não pode ser os dois ao mesmo tempo. Ou se propaga muito rápido (como o covid19) mas para isso não pode matar muito. Ou então mata muito e isso dificulta a sua propagação (o caso do Ébola).
No entanto, mesmo que o covid19 tenha uma taxa de mortalidade de 2%, isso acarreta três problemas muito graves:
- O primeiro é que se o vírus se propaga muito rapidamente, não fazer nada é deixar uma grande quantidade de pessoas infetarem-se. Isso significa que 2% de um número muito elevado de pessoas infetadas será sempre um número elevado de falecimentos.
- O segundo é que a distribuição da mortalidade do vírus não segue uma distribuição Uniforme, isto é, o vírus tem taxas de mortalidade aparentemente muito baixas nas crianças e jovens, bem como nos adultos saudáveis, mas taxas de mortalidade elevadas nos idosos. Estima-se que a taxa de mortalidade nas pessoas com mais de 70 anos possa andar entre os 10% e os 20%. Estamos a falar de mais de 2 milhões de pessoas em grupo de elevado risco.
- Terceiro, porque um número elevado de infetados leva a um colapso dos sistemas públicos, sobretudo na Saúde. Como já se começa a ver, e ainda estamos no início da curva exponencial.
Nesse sentido, a incerteza económica agravou-se bastante na última semana.
Neste momento, importa defender as empresas e as pessoas das quebras de vendas e rendimentos, respetivamente.
Para as empresas, importa assegurar a liquidez necessária. Mas também é importante ter mecanismos que permitam que as dívidas de curto prazo que entrem em incumprimento possam ser transformadas em dívidas de médio prazo. É preciso criar um plano que permita às empresas e aos bancos passar os incumprimentos entre fevereiro/março até eventualmente o final deste ano em dívida a 5 anos, com um plano de reembolso fixado pela evolução das vendas e dos cash-flows dessas empresas. Nesse aspeto, as medidas do BCE relativas aos rácios dos bancos são positivas.
Para as pessoas, temos de assegurar que as quebras de rendimento são mitigadas e que os empregos serão mantidos no futuro. Há aqui no emprego um risco grande de as empresas ajustarem os seus níveis de produção e emprego com esta crise e não conseguirem recuperar para o patamar anterior à crise. É preciso ter respostas para isso.
Mas é importante olhar também para o setor público. E é importante olhar para três aspetos que irem desenvolver mais na próxima semana:
- Primeiro, que a Administração Pública precisa de ser modernizada em muitas áreas. Não é compreensível que por exemplo a linha Saúde 24 não tenha uma app e como é possível não ter criado canais digitais de resposta aos cidadãos relativo a esta pandemia? Se o Estado, nestes últimos 25 anos, tivesse investido na sua modernização, em áreas como a gestão financeira do setor público ou em áreas de prestações de serviços sociais como modernizou a Administração Fiscal, teríamos serviços públicos de excelência.
- Segundo, que a consolidação orçamental e a redução da dívida pública são imprescindíveis em períodos de crescimento e de bonança económica. A margem orçamental serve exatamente para estes períodos de crise. Porque será necessário acomodar o efeito dos estabilizadores automáticos (redução de receita fiscal por quebra de atividade e aumento das prestações de desemprego) e para permitir gastos extraordinários de combate a epidemia. Só que nos últimos anos a prioridade no setor público foi sobretudo a reposição de rendimentos e o corte das 40h para as 35h. Sim, a degradação dos serviços de saúde que assistimos nos últimos anos resultou de uma definição de prioridades que não privilegiou os serviços públicos, mas as despesas com pessoal e as prestações sociais. Ao invés de apostar nos serviços públicos e no investimento público.
- Terceiro, convém não deixar de olhar para as dívidas soberanas. A 4 de março as yields das OT´s de Portugal a 10 anos estavam a 0.18% e agora estão a 0.9%. Já a dívida pública Italiana a 10 anos passou de 0.9% em meados de fevereiro para 2%. As yields Alemãs também subiram, de -0.8% para -0.5%. Mas os spreads agravaram-se. E aí é preocupante o que Lagarde disse na conferência de imprensa de quinta-feira. Apesar do novo programa de compra de ativos do setor público, a presidente do BCE disse que não estava nas preocupações do BCE o agravamento dos spreads na zona Euro. Ora, ou Lagarde ainda não percebeu que há uma grande diferença entre ser diretora do FMI e presidente do BCE ou então não percebeu como Draghi conduziu a política do BCE durante estes últimos anos.
Esperemos que esta semana possa trazer boas notícias. Na próxima semana, com mais informação, falarei (salvo algum improvável ou se ficar doente) do impacto na economia. Neste momento estou, como seria esperado, muito mais pessimista que na semana passada. Receio que possamos ter uma recessão global ainda este ano ou em 2021.
Em todo o caso, esta crise, como todas as crises, irá passar. Como diziam os Britânicos na 2ª Guerra Mundial: “Keep calm and carry on”. Neste caso será mais: “mantenha-se calmo e fique por casa”.
Artigo de opinião de Joaquim Miranda Sarmento, publicado originalmente no ECO