Entrevista a Lídia Pereira, líder do YEPP

26 de novembro de 2018
PSD

Tem apenas 27 anos, portuguesa, e já lidera a maior organização política jovem da Europa, o YEPP. Em entrevista ao DN, publicada no dia 24 de novembro, Lídia Pereira diz que tudo começou na escola básica, mas sem ambições premeditadas. Agora que representa mais de 1,5 milhões de jovens de centro-direita, preocupa-se em os mobilizar para as eleições europeias. Que, diz, estão assombradas pelo "terror" das notícias falsas que distorcem a democracia.

Como é que nasceu o gosto pela política, o que a influenciou?
Acho que foi o meio em que fui crescendo. Já na escola básica tinha uma turma em que eu e os meus colegas éramos muito participativos.

Estudou onde?
Em Coimbra. Nascida e criada em Coimbra, fiz lá a licenciatura e estava já estava a fazer parte do mestrado quando decidi ir fazê-lo para fora.

Os seus pais ainda vivem em Coimbra?
Vivem, toda a minha família vive em Portugal. A minha irmã é a única que vive em Lisboa.

Tem só uma irmã?
Sim, mais nova.

E os seus pais fazem o quê?
A minha mãe é professora de Inglês e o meu pai é técnico na Cimpor. Inspeção e manutenção dos equipamentos.

Mas então tudo começa na escola básica?
Sempre fomos muito ativos e participativos. E lembro-me de que foi na altura em que o primeiro-ministro era o Durão Barroso, a ministra das Finanças era a Manuela Ferreira Leite, e havia todo aquele turbilhão de coisas a acontecer. Muita contestação relativamente à ministra das Finanças. E lembro-me de que já na altura discutíamos isso, até no contexto de aulas, e tínhamos formação cívica. E há aquela conversa "a formação cívica não serve para nada" e nós até discutíamos algumas coisas, nomeadamente relacionadas com a política. E isso despertou-me interesse e curiosidade. E depois, ao longo do tempo, no secundário estava mais ou menos envolvida com Associação de Estudantes, mas nunca tive nenhum cargo, era sempre voluntária de serviço, participei no Parlamento dos Jovens, na altura - já foi tarde, creio que no 12.º ano.

E depois na faculdade?
Nunca me tinha filiado em nenhum partido político, andei sempre a ver qual é que seria mais a minha inclinação política, e foi depois mais tarde, na faculdade, por volta dos 20/21 anos que comecei a interessar-me ainda mais. O interesse pela Europa já vinha de mais cedo mas comecei a interessar-me ainda mais e tinha um grupo de colegas de faculdade que, por acaso, estavam na JSD, no PSD, também tenho muitos do PS, é uma mistura interessante. Mas, de facto, houve pessoas que contribuíram para eu me aproximar mais da estrutura e foi assim que acabei por me filiar na JSD. Tinha ido já a uma Universidade Europa, organizada pelo Carlos Coelho [eurodeputado do PSD], talvez em 2010. Ainda não era filiada, foi mais tarde...

Nunca participou na Escola de Verão do PSD?
Não. Participei na da Europa.

Houve algum professor, alguém que tivesse despertado em si esse interesse, ou a sua família, eventualmente?
Não, por acaso, mesmo a nível da família nem por isso. Sempre fui estimulada a ler e a ser uma pessoa interessada. Mas, da escola, por acaso não me recordo. Recordo-me mais dos meus colegas, do grupo, do que propriamente de um professor ou de alguém que tenha sido absolutamente fundamental. Lembro-me sim de um professor, que ele sim é meu amigo hoje em dia. Foi no 12.º ano, nós tínhamos a área de projeto e tínhamos um grupo - a nossa sala de aulas era extraordinária, e o nosso professor era o António Umbelino, era professor de Tecnologias de Informação -, e, às vezes, tínhamos discussões intermináveis sobre vários assuntos. E, claro, política era um deles. Mas não posso dizer que ele tenha sido a peça-chave. É uma pessoa que eu recordo com saudade pelas conversas que tínhamos e bulhas no Facebook. Porque na altura era muito mais moderado, agora já temos uma visão um bocadinho diferente das coisas, mas também vamos crescendo e vamos, como dizemos, fine tuning [afinando] as nossas convicções políticas.

Entrou na JSD com 20/21, já parecia tarde para atingir um certo patamar. Como conseguiu progredir?
Na JSD, e foi a nível concelhio, houve determinadas pessoas, determinados amigos, nós tínhamos bastantes discussões sobre o que queríamos para o nosso futuro, para o nosso país, para a cidade, em primeiro lugar. Mas eu entrei desinteressadamente porque é uma coisa de que gosto. Fui dando um passo a seguir ao outro - sou muito cautelosa, faço sempre a avaliação de todos os prós e contras e os cenários em cada um deles. Nunca foi premeditado, nunca pensei "vou entrar mais tarde, já não vou ter as mesmas oportunidades". Acho que isso... sempre fui bastante independente porque tinha os meus objetivos - se passassem pela política, ainda bem, mas, se não passassem, sabia o que queria. Entrei quando achei que tinha de entrar, agora já participava bastante civicamente. Na faculdade fui membro do Senado da Universidade, portanto representava a Faculdade de Economia na Universidade de Coimbra, estava na cúria dos estudantes de Economia. Nos sítios por onde passo gosto de deixar qualquer coisa, deixar um legado, acho que até agora tenho conseguido e isso dá-me gás para continuar.

Disse que antes de ter entrado na política já sabia o que queria. Foi para a Faculdade de Economia. O que queria ser nessa altura?
Eu queria ser muitas coisas. Antes de ir para Economia - já fiz o secundário em ciências socioeconómicas - dizia que queria ser engenheira agrónoma, depois quis trabalhar para a Polícia Judiciária, queria ser inspetora no crime económico, e depois, entretanto, quando comecei a interessar-me pela Europa e a estudar mais sobre a Europa, sobre as instituições e via o Banco Central Europeu como uma peça-chave na zona euro, dizia, à força, que queria ir trabalhar para o Banco Central Europeu. Fui para Economia já a pensar "algum dia hei de trabalhar no Banco de Portugal ou no Banco Central". Não foi bem o mesmo percurso, mas já sabia que queria estudar Economia, porque é uma ciência social que cobre outras áreas: filosofia, política (eu gosto de matemática). Mas foi um bocadinho o percurso. Sempre tive muitos interesses, mas a certa altura comecei a afinar.

Foi uma aluna brilhante?
Era uma aluna boa, mas não era... quer dizer, no secundário tive média de 18. Mas na faculdade fui uma excelente aluna no primeiro e no segundo ano, mas depois comecei a envolver-me nas outras atividades e o meu rendimento começou a baixar um bocadinho. Mas sempre fui bastante dedicada e estudava para ter bons resultados.

E, assim que acabou a faculdade, resolveu logo continuar os estudos?
Houve várias coisas a acontecer ao mesmo tempo nessa altura. Eu estava muito envolvida na Associação de Estudantes (estive um tempo envolvida), depois houve a possibilidade de ir para a Associação Académica e eu sabia que precisava de sair de Coimbra e precisava de ver outras coisas, e, portanto, o Erasmus estava no horizonte. Veio um bocadinho mais tarde do que o que estava inicialmente planeado porque estive envolvida nas outras atividades. E, então, no momento em que eu saio de Erasmus já não regresso.

Foi de Erasmus para onde?
Para Praga. Foi no primeiro semestre de 2013, se não estou em erro, e depois regressei a Portugal no primeiro semestre, mas já estava a fazer mestrado, continuei o mestrado em Economia. Entretanto, tinha mandado outras candidaturas porque a ideia era sair outra vez. E fui estudar para o Colégio da Europa, em Bruges, estudar economia europeia, e daí fui para o Luxemburgo, fazer o estágio no Banco Europeu de Investimento. E depois acabei por ter algumas ofertas... Isto foi tudo acidental. Na altura, estava a acabar o estágio e os meus colegas no Banco diziam "ó Lídia, porque não mandas o teu currículo? Tens tantas ofertas". Recebi algumas ofertas pelo LinkedIn e no final do ano pensei: "Já que aqui estou, não tenho nada a perder." Em janeiro do ano a seguir, 2016, fiquei a trabalhar no Luxemburgo durante dois anos.

Essa foi uma altura complexa no país. Não sentiu que era daquelas pessoas que tinham mesmo de ir para fora porque não tinham solução de emprego aqui?
Não, não. Porque eu já estava fora. Quer dizer, claro que a ideia, quando fui fazer o estágio, era "a seguir vou para Portugal" mas, como foi uma coisa natural..., claro que eu ia acompanhando e sabia perfeitamente que vindo para Portugal não ia ter...

Era mais complexo...
Era um bocadinho mais difícil, e depois eu ainda queria explorar mais um pouco a questão das línguas. Eu, no Luxemburgo, falava francês. Queria aprofundar um pouco melhor essa parte. E assim foi. Dois anos no Luxemburgo e depois, no ano passado, mudei-me para Bruxelas.

E, durante este período, já a trabalhar, continuou sempre ligada à JSD.
Sim. Quando estava em Erasmus já estava (mais ou menos) envolvida na JSD - estava no Gabinete de Relações Internacionais. Na altura, era vice-diretora das relações internacionais na JDS e o meu colega Rui Oliveira, do norte, era o diretor. Depois, quando ainda estava a fazer o mestrado, houve o congresso do YEPP [a juventude do PPE] no Porto, em 2015. Nessa altura, estava em exames, estava na fase final do mestrado, não pude participar. Mas ia acompanhando. E, no ano passado, em abril de 2017, foi quando fui eleita para vice-presidente do YEPP. Portanto, durante esta temporada fora mantive sempre o vínculo. Mesmo estando no Luxemburgo, sempre disse "trabalho no Luxemburgo, mas vou pelo menos uma vez por mês a casa, a Portugal". Durante essa temporada mantive sempre a ligação à JSD. Acho que é um sinal dos tempos porque hoje em dia continuamos a dizer que ainda há fronteiras, mas com a internet não há fronteiras

Pode estar-se em qualquer lugar ligado a qualquer organização...
Às vezes, não é a mesma coisa. Por exemplo, esta entrevista é muito melhor fazê-la presencialmente do que por Skype. É diferente. No outro dia estava a falar disso com um colega. Hoje em dia, os partidos já são também sem fronteiras e temos de começar a ver a política dessa forma. Claro que para se fazer política nacional é preciso estar-se mais perto.

Nesse percurso, embora quisesse estar sempre fora, nunca equacionou a possibilidade de, por exemplo, querer vir a tentar ser líder da JSD, por exemplo?
Nunca foi ambição minha tornar-me líder da JSD. A nível de concelhio, sim, e às vezes penso nisso, "um dia ainda hei de voltar para Coimbra". Nós tínhamos um grupo muito bom em Coimbra, cuja grande maioria também está fora. Mas não. O meu único objetivo era manter o vínculo porque é importante e também me dava algum conforto, ao nível das minhas raízes. E, de certa maneira, com aquela ligação tinha sempre uma desculpa para ter de ir a Portugal.

Às vezes, há dúvidas das pessoas em relação à conciliação da vida profissional com a própria atividade política. Foi fácil conciliar as duas coisas?
Agora não está a ser muito fácil porque as responsabilidades são outras.

Qual o seu cargo neste momento e onde trabalha?
Sou consultora sénior na consultora Deloitte, na Bélgica. E, neste momento, as solicitações são muitas e é um bocado mais difícil. Porque depois há muitos convites para ir falar e também requer alguma preparação.

Mas não equaciona sequer deixar a sua atividade profissional para estar a tempo inteiro como líder do YEPP?
Não sei. Terei de equacionar porque vêm aí as eleições europeias e, portanto, vou ter de arranjar algum equilíbrio. Hoje em dia é difícil conciliar porque o nível de exigência é grande.

Mas até agora tem conseguido?
Durmo pouco mas tem dado.

É solteira? Não tem filhos?
Sim.

Como é que se conseguiu, sendo a primeira mulher, portuguesa, ser candidata e depois eleita líder da maior organização de juventude da Europa? Foram precisas muitas manobras de bastidores?
É uma conjugação de fatores. Não é fácil, mas acho que parte muito da força de vontade de cada um. E se nós estamos dispostos a correr riscos...

Mas foi incentivada por alguém?
Fui incentivada por vários amigos.

Mas amigos portugueses? Estrangeiros?
De ambos os lados. Mas o que contribui, primeiramente, é a decisão de avançar e de dizer, internamente, "eu quero ser presidente, porque eu acho que posso trazer valor acrescentado, posso fazer coisas que os outros colegas não serão capazes de executar" ou conseguiriam, mas não da mesma maneira que eu vejo ou não da mesma forma que eu encaro as coisas. Depois acho que conta bastante a solidez do partido que nos suporta, que é a JSD e o PSD, que tem uma reputação lá fora que é quase incontestável. É um partido transparente, com congressos regulares.

O facto de Portugal ter estado sob o plano de resgate e ter conseguido sair - neste caso, era um governo PSD-CDS - também contribuiu para essa boa imagem de Portugal lá fora?
Contribui bastante e houve sítios em que eu estive em que se fala de Pedro Passos Coelho e nota-se que há um grande respeito por tudo aquilo por que Portugal passou. E eu na altura era bastante contestatária de muitas coisas, mas, enfim, não é por estarmos no mesmo partido que temos de concordar com tudo. Mas há um respeito enorme por todos os esforços que Portugal e os portugueses e os governantes da altura fizeram.

Quais foram as medidas aplicadas ao país que mais contestou?
Como a minha mãe é professora, eu via em casa exatamente o que é que se passava e, portanto, não foi fácil. E já tinha começado com José Sócrates, no governo PS. Achava injusto, achei várias coisas, por exemplo do ponto de vista do resgate dos bancos. Tenho uma visão mais liberal, e, portanto, acho que deveriam ter sido consideradas outras opções. E aí era um bocadinho contestatária. E quando houve aquela crise com o Paulo Portas em que se via um governo a tentar governar um país e depois havia ali uma cisão com outras ambições. Aí fui bastante crítica. Mas há um enorme respeito por tudo o que nós passámos. Mas também ajuda o facto de a JSD, dentro do YEPP, ser das organizações mais participativas ao nível da organização de eventos que fizemos, durante os 20 anos do YEPP. A JSD é membro fundador do YEPP, na altura com Pedro Duarte e José Eduardo Martins, se não estou em erro, e, portanto, é todo um histórico acumulado.

Voltando à sua eleição, o que teve de fazer para se concretizar?
Desdobrar-me em telefonemas, tive de fazer umas viagens e convencer os meus pares de que eu era uma boa candidata - na altura, havia a possibilidade de ter um outro, de ter oposição, seria um candidato do sul. O YEPP está dividido em blocos geográficos, há o grupo do sul, nórdico, o leste, a França e a Alemanha, a Áustria e, portanto, a dificuldade foi mais na gestão das conversas que tinha de ter. Explicar porque era uma candidata válida, tinha algumas vantagens, o estar em Bruxelas. Mas, basicamente, foi um mês em que tive de andar a fazer campanha. Não foi fácil porque em Portugal uma pessoa põe-se num carro e vai de Lisboa ao Porto ou do Porto ao Algarve. No YEPP pomo-nos num avião e estamos a três horas de distância dos outros países.

A internet não chega, tem de ser um contacto pessoal?
Chega, mas lá está o que eu dizia. O contacto pessoal é diferente. E dá outra imagem. Trata-se também de confiança.

Das pessoas que a incentivaram a ter essa ambição, quais as qualidades que elas mais realçavam em si?
Sou uma pessoa determinada, essa é uma delas. Tenho confiança. E sou extremamente empenhada em tudo o que faço. E com capacidade de liderança.

Representa, neste momento, como líder da organização, 1,5 milhões de jovens, de 57 organizações. Sente esse peso de ter uma organização com muitos partidos?
Tenho vindo a sentir, desde que fui eleita, o peso da responsabilidade. Porque, depois de tudo acontecer, foi o congresso de Atenas, depois tive de ir para Helsínquia para o congresso do PPE no espaço de poucos dias e só agora começo a ver a dimensão... OK, já sabia que era uma dimensão considerável, mas agora vejo as coisas de outra maneira e é, de facto, uma grande responsabilidade, porque o YEPP é uma organização muito organizada do ponto de vista das reuniões que vai fazendo, das atividades que vai promovendo e, portanto, o meu objetivo será sempre ter a fasquia elevada e, como dizemos em inglês, delivered, dar o meu melhor à organização. Mas é assustador e, ao mesmo tempo, motivador ver que há tantos jovens empenhados.

Tem uma equipa de quantas pessoas a trabalhar consigo em permanência?
Na direção somos 14 e depois temos duas funcionárias e estamos na sede do PPE.

Mas de nacionalidades diferentes?
Sim, todos de nacionalidades diferentes.

O YEPP faz parte uma organização de juventude mais extremista, que integra o húngaro FIDESZ, partido de Viktor Orbán. Sente-se confortável a representar uma organização que tem, por exemplo, ideias xenófobas?
Não me sinto confortável com o facto de haver partidos que desafiam a prossecução dos valores europeus consagrados nos tratados e nas cartas. Portanto, é uma situação que não me deixa confortável, mas o meu trabalho será o de persuadir. É importante que mantenhamos o diálogo com estas organizações.

É melhor tê-los dentro do que fora?
Aí adoto a mesma postura do PPE. Não faremos nada enquanto não forem acionados os mecanismos internos dentro do PPE. Nós também não vamos desencadeá-los. Evidentemente que há discussões internas nas nossas reuniões sobre esse assunto, mas acho que, tendo a juventude connosco, e nós somos o futuro, podemos influenciar para que tenham um discurso um bocadinho mais desalinhado com a matriz identitária do FIDESZ.

Mas faz sentido equacionar a saída da Hungria da União Europeia?
Não faz sentido estarmos a falar em eventualmente a Hungria sair da União Europeia, ou outro país, como a Polónia. Estamos num mundo globalizado, não faz sentido pensarmos na UE senão como um bloco, no contexto global. Acho que é por aí que temos de ir. Evidente que o desrespeito pelo Estado de direito democrático não é admissível. E tentaremos ser tolerantes até ao limite. Mas é uma situação que acompanho com preocupação, mas certa de que enquanto há margem para diálogo é possível chegarmos a um acordo

Nas eleições europeias, o YEPP vai trabalhar sobre a questão das migrações e o impacto que está a ter na Europa?
O YEPP também trabalha esses assuntos. Há sempre questões discutidas nos nossos conselhos sobre essas matérias. E normalmente vêm dos países, dos suspeitos do costume. A Hungria, a Áustria, estão identificados. A segurança na Europa é um assunto que nos preocupa como nos preocupa a qualquer outro cidadão europeu. O YEPP é um partido humanista, de valores judaico-cristãos, portanto a dignidade humana tem de ser defendida. E, nesse sentido, no que diz respeito às migrações, acho que tem de haver controlo, de quem entra e de quem sai da UE. Agora, não podemos deixar as pessoas ao abandono e temos de fazer um esforço por integrá-las. Em relação aos fenómenos extremistas ou populistas ou de radicalização que vêm sendo identificados por falta de integração, já deveríamos ter aprendido. Nessa matéria sou muito humana. Acho que sim, que tem de haver um controlo. Temos de saber quem é que está e nisso sou bastante rigorosa, mas não quero, de todo, combato fenómenos de extremismo e radicalização. Sou completamente contra.

Quais são as outras questões que vão ser a sua bandeira nas eleições europeias? A mobilização dos jovens é se calhar uma das mais importantes porque a abstenção é muito alta, sobretudo nesta faixa etária.
A abstenção é muito grande e preocupante. Em Portugal em 2014 a abstenção bateu recordes nas eleições europeias, com 66%. E que até levanta problemas em relação à própria legitimidade das eleições. É claro que isso preocupa-nos bastante e eu referi isso no discurso que tive oportunidade de proferir no congresso do PPE. Acho que os partidos estão a começar a perceber que têm de abrir. Não podem ter as mesmas caras durante anos a fio. Não é um fenómeno exclusivo português. Em toda a Europa acontece o mesmo. Uma das coisas que abordei foi precisamente que temos de dar oportunidade a candidatos jovens de terem o seu espaço. Portanto, o trabalho do YEPP será encorajá-los, para quem se sentir capaz de ter uma voz ativa na Europa o YEPP estará lado a lado na campanha e tudo fará eleger ou fazer eleger os nossos jovens. Porque não vale a pena dizer que a juventude conta, mas depois não há juventude representada no Parlamento Europeu.

"[nos imigrantes] Temos de saber quem é que está e nisso sou bastante rigorosa, mas não quero, de todo, combato fenómenos de extremismo e radicalização"

Nos Parlamentos nacionais a representação dos jovens também é pequena.
Sim, mas Portugal até nem tem tido uma má representação. Tem sido até bastante progressista nessa matéria. Tem tido uma quota sem quota para os jovens. Tem de partir dos partidos fazer essa análise e, de facto, entenderem que se queremos combater a abstenção - e eu acho que a abstenção na juventude vem muito pelo facto de os jovens não se identificarem com os candidatos, porque, enfim, há uma diferença e há estudos publicados sobre isso, veja-se o caso da Áustria, a juventude votou massivamente porque o candidato a chanceler tinha, na altura, 31 anos. E, portanto, este é um assunto que deve ser tratado com alguma delicadeza.

Mas o facto de esta abstenção ser tão elevada nas camadas mais jovens, pelo facto de não se sentirem representadas, também não reflete que as juventudes partidárias se calhar não estão a cumprir o papel que deveriam ter?
É verdade. Também há um outro problema que é a má conotação que as juventudes partidárias têm, o jobs for the boys. Enfim, não sou pela generalidade. Há casos no passado que não são melhores exemplos. Agora, se as juventudes partidárias poderiam fazer melhor? Eu acho que estão a fazer o que podem. Umas mais do que outras. Mas, de facto, como continuamos a ver, as máquinas estão nos partidos. Acho que há margem para fazer melhor. Por exemplo, na JSD há flutuações, ondas de maior ou menor adesão de novos militantes (isso também tem que ver com as lideranças), mas acho que estão a fazer o que podem. Sei que as juventudes partidárias são autónomas dos partidos, mas, apesar de serem autónomas, têm de trabalhar com um objetivo comum, não pode haver uma separação total.

Também vai ser um dos seus papéis? O tentar que o PPE dê mais espaço aos jovens?
Sim, e tive oportunidade de falar com o Manfred Weber [eurodeputado alemão que é candidato do PPE à presidência da Comissão Europeia] sobre isso e foi uma conversa positiva e gostei do que ouvi. Agora vamos ver se passamos das palavras aos atos porque isso é mesmo muito importante.

E dos nossos eurodeputados de centro-direita, PSD e CDS, sente apoio?
Senti um enorme apoio de todos. Foi uma enorme festa quando fui eleita. Mensagens a felicitar pelo resultado da eleição. É o que está a acontecer um pouco por toda a Europa. Já tive algumas discussões com eurodeputados de outras nacionalidades e há um sentimento generalizado de que de facto devíamos dar abertura aos jovens para terem um maior protagonismo. Há uma rede do PPE, criada por um ex-vice-presidente do YEAPPE belga. Ele iniciou um grupo de trabalho de jovens parlamentares no PPE. Só que é de 40 anos para baixo. Não é o ideal. Mas esse tem esse papel, é como se fosse um minigrupo parlamentar para jovens parlamentares. Era ainda melhor se conseguíssemos ter mais abaixo.

Quais são as grandes preocupações dos jovens na Europa?
Essa é uma boa pergunta. Depende tanto de país para país. Por exemplo, estivemos em Bucareste, em setembro. E há uma enorme fuga de cérebros, mais até do que aquela que verificamos em Portugal, especialmente durante os anos da crise, em que houve muitas pessoas que saíram. Mas na Roménia é bastante acentuado e isto depois gera problemas até da própria sustentabilidade da segurança social do país. Realmente, se todas as pessoas saem, o que podemos esperar do futuro das pessoas que ficam e do próprio país? Na Irlanda temos os problemas dos jovens agricultores, com a reforma da PAC. Preocupações diferentes das dos romenos. Na República Checa, na Áustria, na Alemanha, não se discute desemprego jovem. Discutem-se em Portugal, Espanha, Itália. As matérias acabam por ser específicas. Mas há coisas que são transversais, por exemplo, esta revolução de que se fala, a revolução 4.0, a digitalização. Isto é transversal a todos. Se calhar com um impacto diferente, mas vai afetar todos. O mesmo se passa com os países nórdicos. Discutem-se também as migrações mas desemprego não é algo que os afete. O alojamento e a emancipação são problemas transversais também, ainda que a capacidade de realização de um jovem na Áustria ou na Alemanha seja provavelmente diferente da de um português ou de um espanhol.

Mas hoje os jovens já não estão confinados a uma fronteira. Ou seja, podem sempre, muito mais livremente, procurar aquilo que é melhor para eles.
É uma possibilidade, sim. Mas uma das grandes barreiras continua a ser a língua. Uma pessoa que decida deixar Portugal e ir trabalhar para a Alemanha, se não souber a língua e não estiver numa multinacional em que o alemão não é necessário, mas é necessário para arrendar casa, para as coisas básicas... Não estou é segura de que o acesso seja igual para todos. E isso é uma coisa que me preocupa. Por exemplo, na questão do Erasmus, e falo por experiência própria, estava na República Checa, não é propriamente um país muito caro, tem um nível de vida semelhante ao português ou até menos, e eu tinha ajuda dos meus pais. Porque a bolsa de Erasmus era limitada, dava para pagar voos de ida e volta e uma parte da residência. Para fazer as outras coisas não dá. Isso é uma coisa que me preocupa, o acesso. Se eu, a determinada altura da minha vida, quero mudar para outro país, se por acaso não tive oportunidade de estudar a língua... é limitativo. Isto é algo que deveria ser discutido. Se temos determinados padrões na Europa este deveria ser um deles. As línguas é competência de cada Estado membro, mas deveria ser uma preocupação geral.

Sei que a economia 4.0 é uma das suas preocupações, a Europa digital e ainda as alterações climáticas. Porque elegeu esta questão como prioritária?
Nós já estamos a sentir os efeitos das alterações climáticas. Apesar de haver movimentos negacionistas que as rejeitam. Temos provas de que não é verdade. A nossa geração vai ser ainda mais afetada. Nós vemos todos os dias relatos da quantidade de lixo nos mares, da maneira como nós estamos a gerir mal o nosso planeta. Está na agenda porque trata-se de assegurar a sustentabilidade desta geração e das gerações vindouras. E temos de ter uma abordagem que tenha em vista o futuro. E, portanto, as alterações climáticas, os fogos, a tempestade Lesley... não são só fruto do acaso. É uma questão de sustentabilidade e de assegurar a continuidade da nossa vida.

E os jovens são sensíveis a essas questões?
Acho que os jovens são mais sensíveis hoje do que há uns anos. Em minha casa sempre houve preocupação com a reciclagem e, desde a escola primária, sempre fomos educados na minha turma a fazer reciclagem, o movimento dos três R. Cresci com essa consciência, com essa preocupação. Acho que, fruto do que vamos vendo todos os dias, nas redes sociais, tem um impacto positivo no despertar das consciências para o que é preciso: temos de poupar água, temos de ser mais racionais no consumo de tudo e mais alguma coisa. A mim faz-me enorme confusão, vejo isto no meu trabalho, quando compramos qualquer coisa para comer, por exemplo ao almoço, a quantidade de embalagens que nós, em meia hora ou 20 minutos, vamos deitar fora. Temos de começar a pensar em formas alternativas. Eu penso em mim, uma pessoa, mas depois multiplico pelos milhões por toda a Europa, não pode ser sustentável. Em Bruxelas já estão a substituir os sacos de plástico para os legumes e as frutas. Agora são sacos reciclados de papel. Só espero que não estejamos a agir já tarde no que diz respeito ao ambiente. E aí cabe aos jovens liderar esta pasta. E é, curiosamente, uma das preocupações a nível geral do sentido de voto de determinados eleitores. É tomado em conta se o seu partido tem ou não preocupação ambiental.

Vai tentar liderar essa matéria como? Conferências?
Essa é uma das formas. E ter, por exemplo, uma atitude proativa. Lembro-me de que fizemos a nossa summer school do YEPP em Cascais. E na altura pensámos em como poderíamos introduzir uma atividade mais pedagógica - não pode ser só ouvir um ou outro orador, temos de retirar qualquer coisa desta experiência. Na altura, tentámos fazer uma manhã ou umas horas de voluntariado na praia, através de uma ação promovida pela Câmara Municipal de Cascais, só que iria começar na semana seguinte, por isso não conseguimos. Mas fazer algo durante as nossas reuniões, em que mostramos que realmente o YEPP está empenhado, os jovens estão empenhados nesta causa.

Voltando um pouco à sua vida quotidiana, mudou muito com a eleição?
Mudou radicalmente.

Vive no centro de Bruxelas?
Vivo no centro de Bruxelas, trabalho no aeroporto, o escritório da Deloitte é no aeroporto. Não é fácil. E depois tenho os meus amigos a perguntar: "Lídia, vens jantar connosco?" E eu não posso.

Trabalha até que horas?
Depende do projeto. Agora tenho trabalhado até às 19.00 e depois é trabalhar até à meia-noite. De vez em quando ligam-me durante o dia e tenho de tentar responder. Não tem sido fácil.

Mas antes disso? Como era a sua vida?
Normal. A única coisa mais anormal era a quantidade de fins de semana em que eu não estava em Bruxelas porque ia em representação ou porque tinha reuniões. Os meus amigos dizem que nunca estou em Bruxelas.

Gosta de viver em Bruxelas? Não sente falta de Portugal.
Gosto. Sinto imensa falta do mar. Não acho que Bruxelas seja a cidade mais bonita do mundo, mas tem muitas outras coisas. Muito cosmopolita, tem muita cultura, sempre algo a acontecer. E a maioria dos meus amigos de mestrado estão lá. Sinto também falta de ir beber um café à esplanada e estar sol, mesmo no inverno, quando está muito frio, mas está um sol brilhante.

Quando foi eleita, o que é que os seus pais lhe disseram? Telefonou-lhes?
Os meus pais estavam lá. Isso foi mais quando eu decidi candidatar-me. Eu disse "mãe, eu vou-me candidatar". Estavam um pouco apreensivos. É muita responsabilidade. E os meus pais sempre muito preocupados, "tens de descansar, tens de dormir, tens de te alimentar bem". Mas em Atenas, coitados, não tive tempo nenhum para eles. Foi apenas tempo para tirar uma fotografia e dois dedos de conversa, muito rápida, porque foi sempre uma azáfama.

Consegue desligar nos momentos em que está com a família?
Mais ou menos. O truque é desligar o telemóvel. Pode ser problemático porque pode haver algo urgente, mas não dá. E depois não estou em lado nenhum.

Como se informa sobre o que está a acontecer? São muitos sítios. Tem pessoas a recolher informação ou vai tentando sempre estar a par do que está a acontecer nos vários locais?
Eu tento estar a par, mas tenho também no YEPP pessoas que têm a responsabilidade de nos irem informando. Nós também temos recursos do próprio PPE que nos permitem fazer essa análise. Mas é curioso porque sempre que acontece algo de importante informam-nos.

As redes sociais são benéficas, ou não, neste papel de ligação à juventude?
São importantes, e têm um papel positivo. Mas preocupa-me bastante esta questão das fake news. Acho que vai ser um problema ainda maior nos próximos meses por causa da campanha e mesmo no contexto internacional. No outro dia tive oportunidade de participar num workshop sobre cibersegurança. Já não só as fake news que podem distorcer o nosso discernimento. São também fake videos e muitos outros materiais. Vi noutro dia um vídeo do Obama que não era o Obama, e pensei "isto parece um filme de terror, não quero continuar a ver isto, as fake news". Isso tem de partir do ensino nas escolas, temos de assegurar que a juventude é curiosa para não se resignar com a primeira coisa que lê ou que vê. Isto é muito importante. Não sei se temos todos os instrumentos ou recursos para garantir que isso aconteça, mas não podemos aceitar. Por exemplo, quando leio uma notícia e penso se será verdade, vou ver a outro jornal. Isto tem de ser incutido. Porque podemos cair no erro de começar a achar que é tudo verdade. Fiquei aterrorizada com aquele vídeo. É demasiado real para uma pessoa sequer se questionar... é o Obama. Os jovens até aos 20 anos já só usam o Instagram. Já nem sequer têm Facebook. Ou seja, há uma segmentação no uso das redes sociais. Se realmente há grupos que começam a focar-se numa rede social para passar determinada mensagem, trabalham-na. Para mim é preocupante e deveria estar também na agenda dos partidos e dos responsáveis do governo.

Põe em causa a democracia...
Sim, e está a avançar tão rápido que não sei se temos capacidade de acompanhar e de dar resposta.

Depois da liderança do YEPP vai "voar" até onde?

Como dizia no início, todos os meus passos não foram acidentais, mas foram sempre muito ponderados. Não sei onde o meu futuro me vai levar. Farei tudo para dar o meu melhor. Esse é o meu objetivo principal. E não desapontar ninguém que em mim confiou. Mas é evidente que as oportunidades estão aí e se houver uma boa oportunidade...

Pensa que poderá ser uma líder europeia daqui a uns tempos?
Não vou dizer que não porque se disser que não e daqui a uns anos acontecer... Quem sabe, um dia.