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Artigo de Joaquim Miranda Sarmento, publicado no jornal ECO, a 17 de fevereiro de 2020
Nas últimas duas décadas a economia Portuguesa perdeu competitividade e estagnou do ponto de vista do crescimento económico. Entre 1999 e 2019 a economia Portuguesa cresceu cerca de 0.5% ao ano em média. Teve três recessões (2003; 2008-2009; 2011-2013). Como resultado disto, o PIB per capita (ou seja, a riqueza gerada por habitante) cresceu em termos reais, isto é, descontando o efeito da inflação, apenas 8% em 20 anos. Ou seja, entre 1999 e 2019 cada Português, ficou em média, apenas 8% mais rico. Um resultado medíocre.
Adicionalmente a este baixo crescimento, há uma espécie de barreira ao crescimento da economia Portuguesa em torno dos 2%. Isto é, a economia nacional não consegue, de forma duradoura e sustentada, crescer acima dos 2%/ano. Isso resulta de um PIB potencial que estará em torno de 1.5%, um dos mais baixos da União Europeia.
O fraco desempenho da economia nacional resulta sobretudo de duas causas: baixos níveis de produtividade e baixo nível de investimento.
- Na produtividade, quer a do fator trabalho, quer a do fator capital (quer ainda a “total productivity factor”, ou seja, aquilo a que podemos chamar de “progresso tecnológico”) estão abaixo da maioria dos nossos concorrentes. E não é por se trabalhar pouco. Pelo contrário, os Portugueses são dos Europeus que mais tempo passam no seu emprego.
- O investimento (a Formação Bruta de Capital Fixo) que em 2001 era cerca de 30% do PIB passou nos piores anos da crise para cerca de 15%, sendo que em 2018 rondava os 18%. Valores em torno dos 15% são, segundo estimativas do INE, o mínimo para repor a depreciação do capital. Ou seja, com uma FBCF de 15% estamos apenas a repor a capacidade instalada, não a estamos a expandir a capacidade da economia Portuguesa.
Os principais entraves a um aumento da produtividade e do investimento estão também identificados. Fraca qualidade das instituições, custos de contexto, elevada burocracia, baixa eficiência da administração pública, um sistema judicial ineficaz, falta de mão-de-obra qualificada em alguns setores, um mercado laboral rígido e um sistema fiscal pouco competitivo são normalmente as principais queixas dos investidores.
Também a pequena escala das empresas nacionais é um problema. 96% das empresas são microempresas (tem menos de 10 trabalhadores). Empresas com mais de 250 trabalhadores (que nem se pode dizer que uma empresa com 300 ou 400 trabalhadores seja uma grande empresa) são 0.1% do tecido empresarial (dados da Pordata). Ainda de acordo com a Pordata, desde 1995 que a rentabilidade média das empresas Portuguesas (a percentagem de vendas depois de deduzidos os encargos com pessoal, as compras a fornecedores e os impostos) tem-se mantido em torno de 22% a 24%.
É verdade que as exportações deram um salto muito significativo em percentagem do PIB entre 2010 e 2015. Passaram de cerca de 28% do PIB para 42%. Mas desde então que praticamente não cresceram em termos do seu peso no PIB. Passaram de 42% para 44% nos últimos 5 anos.
Quando olhamos para o sistema fiscal, tema do meu artigo (deixarei os outros entraves para análises futuras), o que vemos como principais pontos fracos?
- Primeiro, a forte instabilidade das regras fiscais. Num estudo que elaborei no ISEG em 2016, concluímos que para os principais impostos/códigos fiscais (IRS, IRC, IVA, IMI, IMT e Estatuto dos Benefícios Fiscais), os códigos tinham sido, entre 1989 e 2014, alterados 493 vezes. Ou seja, em 26 anos, uma média de quase 20 alterações por ano. Só o IRC, com cerca de 100 alterações, teve em média, 4 alterações por ano.Esta forte instabilidade impede os investidores de fazerem um planeamento a médio prazo dos seus encargos fiscais. Adicionalmente, como estamos a assistir no Alojamento Local, Portugal tem esta tendência para procurar atrair investimento e empresas num determinado setor com um regime fiscal mais favorável, para logo que o setor começa a ter lucros, o taxar fortemente.
- Depois, existe outra crítica importante, que se prende com a morosidade dos processos fiscais. Litigar com a Administração Fiscal e com os Tribunais Administrativos e Fiscais pode levar anos e anos, tornando o processo moroso e com elevados custos. Nesse sentido, a criação da Arbitragem Tributária e os seus bons resultados é uma medida de louvar, mas sobretudo de melhorar e aprofundar.
- A terceira crítica comum ao nosso sistema fiscal é o dos custos de contexto e da sua complexidade. Embora o portal das finanças seja uma ferramenta muito avançada do ponto de vista tecnológico, estudos mostram que Portugal continua a ser um dos países onde as empresas e as pessoas mais tempo ocupam a cumprir as suas obrigações declarativas. E o sistema fiscal, fruto também das muitas alterações que vai tendo, é confuso, disperso e difícil de compreender em muitos casos.
- Mas o sistema fiscal Português padece também, sobretudo a partir de 2007-2008, de um problema de taxas de imposto altas. Sim, eu sei que vão dizer que a carga fiscal em percentagem do PIB está abaixo da média Europeia. Os dados para 2019 mostram que a média da zona Euro tem uma carga fiscal em torno dos 40% do PIB, enquanto que Portugal tem um valor em torno dos 35%.
Só que essa comparação esquece dois aspetos: o primeiro é que quando comparamos Portugal não com a média da zona Euro (onde estão países como a Dinamarca ou a Suécia, com elevada carga fiscal, mas que não são concorrentes diretos de Portugal), mas sim com os países da coesão (europa do sul e do leste), temos uma carga fiscal mais elevada que a maioria desses países. Por outro lado, em IRS a carga fiscal concentra-se num número reduzido de pessoas (10% pagam 50% do imposto) e no IRC é ainda mais concentrado (2500 empresas representam quase 60% do imposto) (dados do portal das finanças).
Ora, devemos então baixar a taxa de IRC? Creio que sim, por duas razões:
- Primeiro, porque a taxa nominal marginal de 31.5% em Portugal é a 2ª maior da Europa e da OCDE (apenas ultrapassada pela França, sendo que o Presidente Macron anunciou recentemente a intenção de reduzir a taxa de IRC em França).
A discussão infelizmente fica muitas vezes em dois extremos: ou os que acham que descer as taxas de imposto não tem impacto nenhum, e no limite alguns até defendem que podíamos continuar a aumentar a taxa de imposto sobre os lucros das empresas; e os que acham que a fiscalidade é a “silver bullet” e basta baixar muito a taxa de IRC para os problemas de competitividade e crescimento da economia nacional ficarem resolvidos.
Algures no meio podemos dizer que Portugal não pode ter a taxa nominal marginal mais alta da OCDE. Não precisa de ter a mais baixa, que seria de 10%, mas deve estar algures nos 25%, colocando o país em torno da média.
A Fiscalidade não é a “silver bullet”, mas deve procurar ser um fator de atração de investimento e emprego, mantendo as empresas “que já cá estão” e permitindo o crescimento das vendas e das margens e atraindo mais investimento dessas empresas. Mas também atraindo novas empresas e novos investimentos, quer em setores consolidados, ganhando escala, quer em novos setores, permitindo entrar em novas cadeias de valor (falarei em breve sobre a importância que teria para a economia nacional “trazer outra AutoEuropa, noutro setor”).
- Segundo, pelo efeito económico que teria. É verdade que a literatura económica diverge nos efeitos da redução das taxas do imposto sobre os lucros.
Estudos que procuram analisar o impacto da fiscalidade e concluem negativamente por esse impacto, na realidade não tendem a desvalorizar o efeito fiscal, mas, como fazem Fisman & Svensson (2007)[1], que instituições e baixa corrupção são mais importantes que a fiscalidade. Também há vários estudos (ex: Fuest, 2002, 2018; Bilicka, 2019 [2]) que concluem que perante reduções de impostos as empresas tendem a fazer “profit shipping”, isto é, a transferir lucros de uma localização para a outra localização com menos impostos.
Um estudo de Myles (2000)[3] conclui que a Fiscalidade tem impacto reduzido nos modelos de crescimento. Outro estudo, de Hunady & Orviska (2014) [4], conclui que na UE a fiscalidade tem menos impacto na captação de IDE que o mercado laboral e a divida pública.
Por outro lado, existem também estudos que mostram que a redução de impostos tem impacto no crescimento e no investimento. Johansson et al. (2008)[5], num estudo dos países da OCDE, concluíram que o imposto que mais prejudica o crescimento é o IRC. Djankov et al (2010)[6], num survey internacional, mostram como a taxa efetiva de IRC tem um efeito muito negativo no crescimento, IDE e empreendedorismo. Resultados similares para a Europa em Da Rin et al. (2011)[7]. Também Schwellnus, C., & Arnold (2008) [8] num estudo para o conjunto dos países da OCDE concluem que as taxas de IRC elevadas têm um efeito negativo na produtividade das empresas, sobretudo no caso das empresas mais sujeitas à mudança e inovação tecnológica.
Já Rathelot and Sillard (2008)[9] mostram para a França que a criação de empresas está diretamente relacionada (embora com um efeito reduzido) com o nível de fiscalidade. Devereux et al. (2007), para o Reino Unido, concluem que as empresas respondem mais a estímulos fiscais e às condições não-fiscais do que a subsídios. Devereaux et al. (2008)[10] e Slemrod (2004)[11] concluem que os países competem entre si na taxa nominal, efetiva, mas também na efetiva marginal. Chang et al. (2017)[12] concluem que uma redução do IRC tem impacto positivo, sobretudo na atração de IDE, embora tal dependa do tipo de dupla tributação internacional existente no país.
Relativamente ao caso Português, o único estudo [13] conhecido foi feito pelos meus colegas do ISEG Ana Venâncio, Victor Barros e Clara Raposo. Os autores concluem que a introdução de um IRC reduzido para o interior, que ocorreu em 2001, levou a que houvesse um aumento do número de empresas criadas nos municípios abrangidos pela medida e um aumento da taxa de sobrevivência dessas empresas, bem como um aumento do emprego nestes municípios abrangidos pela medida. O empreendedorismo nestas zonas foi também beneficiado, com as novas empresas a terem uma dimensão maior.
Ou seja, temos várias reformas necessárias para colocar a economia Portuguesa como uma das mais competitivas da Europa, de forma a que possa crescer mais, gerando mais emprego e sobretudo melhores rendimentos. Uma dessas reformas é no sistema fiscal, criando um quadro estável e simples de tributação, com baixos custos de cumprimento e mecanismos rápidos e eficientes de resolução de conflitos e um nível de tributação mais baixo, adequado à posição do país e à necessidade de atrair empresas e investimento.