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Considerar que uma quebra de 8% não vai trazer marcas muito duras e dificuldades adicionais a todos os agentes económicos, só pode ser uma fantasia ou uma patranha.
Na semana que passou, foram divulgadas as projeções económicas e orçamentais do FMI, já considerando, em parte, os efeitos da crise do Covid-19, e os resultados de um inquérito do Banco de Portugal e do INE aos apoios criados pelo governo em resposta a esta crise.
Vamos começar pelos números do FMI, mais macro. Os dados foram divulgados nos dias 14 e 15. São uma primeira análise ao impacto desta crise. Mas devem ser lidos com precaução. Isto porque tendo os números sido apresentados a 14, isso significa que se basearam em informação que, na melhor das hipóteses, será do final de março. Isto porque uma organização como o FMI tem em primeiro lugar um processo interno de validação dos documentos que são depois tornados oficiais e, em segundo lugar, os governos recebem um draft uns dias antes (a indicação que tenho é que terá sido a 10 de abril). O que significa que as projeções foram feitas pelo menos uma semana e meia antes, mesmo que depois possam ter sido ligeiramente ajustadas em função de nova informação. Por outro lado, os modelos económicos não estão preparados ainda para responder a uma crise que é diferente de tudo o que experimentámos antes.
Logo, os números do FMI devem ser analisados com cautela. Abril será, do ponto de vista económico, em todo o mundo, um mês muito mais difícil do que foi março. Temos ainda maio que pode já ser de alguma abertura, mas que ainda será muito parcial. E depois temos o tempo que demorará até as economias recuperarem. Sem contar com uma hipotética segunda vaga, em outubro/novembro, que os epidemiologistas consideram ter elevada probabilidade de acontecer. Sendo que só teremos vacina em 2021, muito provavelmente daqui a uns 18 meses.
Com toda essa cautela, os números do FMI para Portugal são terríveis, mas podem deixar alguma esperança. Volto a frisar, devem ser vistos com muita reserva. O FMI prevê uma quebra do PIB de 8% para 2020. O Fundo não divulga as suas projeções para as componentes do PIB. Mas usando outros modelos conhecidos e fazendo algumas simulações, uma quebra de 8% no PIB significa algo como uma redução do consumo privado em 10%, uma redução do investimento em 15% e uma redução das exportações em 20% (acompanhadas por uma quebra superior das importações, por via da quebra das três variáveis referidas – o que permite manter um saldo das contas externas equilibrado).
Ora, este número, sendo péssimo para 2020, mesmo assim, se se vier a verificar, não é tão mau como se poderia esperar. Repare-se que na prática vamos ter cerca de 2 meses de paragem quase completa da economia. Como referiu o ministro das Finanças, 30 dias uteis de paragem representam cerca de 6,5% PIB. Assim, não é difícil chegar a números em torno dos 10% de quebra do PIB. O ministro das Finanças também referiu que o PIB do 2º trimestre cairá entre 20% a 25%.
Ora, em números redondos, em 2019, o 1º trimestre representou 50 mil milhões € (50 bis – 50 biliões), o 2º trimestre representou 53 bis, o 3º trimestre representou 54 bis e o 4º trimestre representou 55 bis, num total de PIB de 212 bis. Isto quer dizer que, se em termos homólogos, o 1º trimestre tiver caído 5% (por via de março) e o 2º trimestre cair 25%, isso significa uma quebra do PIB em torno dos 15 bis. O que indica que chegaríamos ao final de junho com um PIB a cair face ao PIB de dezembro cerca de 8%. Mas depois há que considerar o efeito do 2º semestre. Em termos homólogos, dificilmente o Produto do 2º semestre será maior que o do mesmo período de 2019. As exportações vão levar tempo a recuperar. O imobiliário ainda mais tempo e a recuperação do turismo externo (isto é, feito por estrangeiros) é uma total incógnita.
Daí que não seja de excluir quebras do PIB em torno de 10%. Basta que a quebra do consumo privado seja de 15%, a do investimento 25% e das exportações 30% para o PIB cair cerca de 12%.
Mas se a quebra do PIB de 8% apontada pelo FMI é um cenário negativo, mas mesmo assim, menos negativo do que aquilo que pode de facto vir a suceder, o número do crescimento para 2021 é, apesar de tudo, animador.
O FMI prevê que em 2021 a economia Portuguesa cresça 5%. Isto significa que Portugal passaria de um PIB em 2019 de 212 bis para um PIB em 2020 de 195 bis. Isto representa uma perda de 17 bis. Para se ter a noção da dimensão, a receita de IVA em 2019 foi de 18 bis, a receita de IRS foi de 13 bis, e a receita de IRS e IRC foi de cerca de 19 bis. Um PIB de 195 bis é igual ao PIB de 2017. Esta crise tira este ano o crescimento dos últimos 3 anos.
Mas se a economia crescer, como prevê o FMI, 5% em 2021, isso significa que o PIB cresce para cerca de 205 bis, o que significa uma perda, ao fim de 1 ano e meio, de “apenas” 7 bis. Se em 2022 a economia crescesse 3,5%, isso permitiria chegar ao final desse ano com o mesmo PIB de 2019.
Isto é importante ser frisado. Nesta estimativa do FMI, que mais uma vez deve ser vista com cautela, porque pode ser apesar de tudo considerada moderamente optimista, esta crise “custa” pelo menos três anos de crescimento.
Já na parte orçamental, o FMI prevê um défice em 2020 de 7%. Tendo em conta que em 2019 o saldo nominal foi um superavit de 0.2%, temos um agravamento do défice em 7,2% (sem “one-offs” tivemos um superavit de 0.8% em 2019, dado os 0.6 de medidas pontuais, entre as quais o Novo Banco – mas como em 2020 o valor dos “one-offs”, aqui totalmente por via do Novo Banco, é também de 0,6, podemos ignorar este ajustamento e partir para 2020 com um superavit de 0,2).
Ora, a experiência passada diz-nos que uma quebra de 1 p.p. do PIB representa um agravamento do défice (via estabilizadores automático, isto é, quebra de receita fiscal e contributiva e aumento dos subsídios de desemprego) de 0,4 a 0,5 p.p. do PIB (e o inverso, uma subida do PIB melhora o défice).
Seguindo essa metodologia, temos que uma quebra do PIB de 8% deveria dar um défice em torno dos 4%. Mas esta crise tem um efeito novo, que é um conjunto adicional de despesa, quer com o lay-off, quer com medidas de apoio às empresas, quer com o aumento da despesa com saúde. A estimativa do Governo, tanto quanto tenho visto, é que esse efeito representa cerca de 3% do PIB.
Isso significa que, nas contas do FMI, até porque depois para 2021 o défice fica em 2%, não há uma degradação estrutural das contas públicas. Seja porque os 7% de défice em 2020 resultam da quebra do PIB (mais 4% de défice) mais as despesas “excecionais” (mais 3% défice, totalizando assim os 7% apontados pelo FMI), quer porque a recuperação do PIB em 5% em 2021 coloca o défice em 2%, o que está em linha com a tal correlação entre PIB e défice.
Sou cético quanto a isto. Dificilmente esta crise não deixará marcas visíveis na estrutura produtiva e no PIB potencial de Portugal (o FMI, nem outra instituição, divulgou até agora projeções para o PIB potencial, o que se afigura correto, dado o nível elevado de incerteza que ainda vivemos). Mas será muito improvável que no final desta crise de saúde, seja maio ou junho, não haja empresas que fecharam permanentemente, não haja cadeias de distribuição destruídas, não haja clientes internacionais que deixaram de comprar em empresas Portuguesas, que não haja emprego perdido, etc. Tudo isso deixará marcas na economia e consequentemente nas contas públicas.
Isso mesmo é visível no inquérito feito às empresas pelo Banco de Portugal e o INE, realizado entre 6 e 10 abril e divulgado a semana passada. Se é verdade que 80% das empresas reportou estar em atividade, também é verdade que mais de 80% indicou ter tido quebras de faturação. Estes números são relativamente homogéneos entre setores (tirando o setor do turismo e restauração em que quase 100% das empresas reportam quebras de faturação, nos outros setores são entre 75% a 80% das empresas a indicar quebra nas vendas). Cerca de 40% das empresas indicou que teve uma quebra superior a 50% na sua faturação.
Quando questionadas sobre os motivos para a quebra de atividade, além naturalmente das restrições impostas pela quarentena, 85% das empresas indica também a falta de procura e de encomendas. Mas mais preocupante ainda é que quase metade das empresas indica que os problemas nas cadeias de fornecimento e distribuição tiveram um impacto muito grande na quebra das vendas.
Cerca de 60% das empresas reportaram uma redução do pessoal, sobretudo por via do lay-off. Mas o mais impressionante é que só 50% das micro e pequenas empresas reduziram o seu pessoal em laboração, mas 70% das grandes empresas recorreu a essa redução. Ora, sendo o setor do alojamento e restauração o mais afetado, seria expectável o inverso, dado que na restauração o setor é quase exclusivamente composto por empresas de pequena dimensão.
As grandes empresas, sobretudo as industriais e exportadoras, estão a passar também por grandes dificuldades. E isso vai ter impacto na capacidade de retoma da economia nacional.
Mas o mais grave, e recorde-se que este inquérito foi feito já em abril (6 a 10), é que pouquíssimas empresas recorreram aos restantes apoios do governo, para além do lay-off. Menos de 10% das empresas já recorreram aos mecanismos de apoio. Uma parte grande planeia recorrer ao regime de adiamento do pagamento dos impostos. Mas, e aqui há algo que nos deve deixar muito preocupados, é que a grande maioria das empresas (cerca de 60%) não prevê vir a usar as linhas de crédito.
Não é difícil compreender essa decisão. As linhas de crédito estão a mostrar estar mal desenhadas.
- Primeiro, têm um custo exorbitante. Estamos a falar de 1.5% de spread, mais 0.5% de comissão do banco, mais um custo da garantia pública entre 1% e 1.75%, mais o imposto de selo, tudo somado temos um custo total entre os 3% e os 4%. Ora, numa altura em que as taxas de juro rondam o zero, pedir emprestado a 2 ou 3 anos, com taxas de 4%, para a sobrevivência do negócio é um risco elevado.
- Segundo, não se compreende a negociação do governo em Bruxelas relativa ao custo da garantia pública, quando a maioria dos países tem custos muito inferiores, e a Alemanha até tem zero. Ou melhor, até se percebe, é o receio do impacto nas contas públicas mais à frente. Ao por um custo de garantia pública entre 1% e 1,75% sobre 80% a 90% de garantia, o Estado está a precaver-se de algum nível de incumprimento futuro.
- Terceiro, o processo de garantias, na sociedade pública SPGM, está encravado, porque essa sociedade não tem capacidade administrativa de resposta. A que se soma, em alguns casos, entraves dos bancos e pedidos de garantias adicionais.
Daí que muita gente comece a dizer que o dinheiro não vai chegar às empresas a tempo. E se não chegar a tempo, mesmo que chegue depois, muito dificilmente salvará as empresas. Afinal, só 12% das empresas recorreu a um aumento de crédito na semana anterior ao inquérito.
Adicionalmente, vamos ver se o governo consegue cumprir a promessa que a Segurança Social transferirá o dinheiro para as empresas pagarem o lay-off. Recorde-se que, no esquema definido pelo governo, as empresas pagam aos trabalhadores em lay-off e são reembolsadas (na parte em que o Estado é responsável) pela Segurança Social. O Ministro Siza Vieira falou que isso seria feito pelos serviços da Segurança Social até ao dia 28 de abril. Assim esperamos que aconteça, ou será um final de abril dramático para muitas famílias.
Tudo isto leva a que o inquérito do Banco de Portugal e INE também indique que “quase 50% das empresas não tem condições para se manter em atividade por mais de dois meses sem medidas adicionais de apoio à liquidez”.
Creio que não é difícil perceber, pelos números do FMI e do BdP e INE, que nos esperam tempos muito difíceis na economia. Que o tecido empresarial Português vai ser muito afetado. Agravado pelo facto de a economia Portuguesa ter crescido nos últimos anos baseada sobretudo no turismo, imobiliário e serviços. Setores muito afetados e onde a recuperação vai ser longa e lenta.
E assim temos uma economia que já era pouco competitiva. Que nos últimos 20 anos não conseguiu crescer acima de 2%/ano de forma sustentada e prolongada e que nos últimos 20 anos cresceu a uma média de 0,5%/ano, com um crescimento acumulado da riqueza de pouco mais de 8%. Com elevados níveis de dívida privada e externa, a que se junta uma despesa pública elevada e pouco eficiente, contas públicas sem equilíbrio estrutural e uma dívida pública acima dos 120% PIB (e que chegará rapidamente a 140% pelo menos).
Com tudo isto, considerar que uma quebra desta dimensão (seja 8% ou um pouco mais ou um pouco menos) não vai trazer marcas muito duras e dificuldades adicionais a todos os agentes económicos, só pode ser uma fantasia ou uma patranha. E que isso não vai implicar dificuldades também nas contas públicas é mesmo uma ilusão.
Artigo publicado no ECO.